Os olhos turvos,
sol na cara, gramado resplandecendo sob as chuteiras incansáveis de valorosos
combatentes, cada um a representar uma parcela da massa sofrida da cidade
operária – porque “cidade dormitório” é coisa de preguiçoso, aqui se trabalha,
e sério. A jornada até Itaboraí (maldade de quem a chama de “São Gonçalo do
Norte”) é aprazível, porém tensa: o Gonçalense estava prestes a encarar o
afamado América, e ia ser o diabo. O mais famoso segundo time dos cariocas
lidera seu grupo com folga, reciclava em seu plantel eternas promessas como
Somália, Jean e Abedi, e ainda menosprezara o Tricolor Metropolitano,
demonstrando desconhecer o adversário, como o fizera antes o Duque de Caxias,
quando nos chamou de “PSG da roça”.
Antes de
chegar ao Alzirão já se previa a magnitude do confronto, as ruas da cidade
tomadas por veículos estrangeiros, a inédita fila imensa na bilheteria – o que
me fez agradecer por ter em mãos o meu ingresso, comprado antecipadamente na
sede. Lá dentro, o caldeirão já fervia a minutos do apito inicial, tanto pela
clamorosa paixão dos gonçalenses quanto pelo sol, que parece se posicionar
estrategicamente contra a cara do torcedor. Tinha gente no prédio ao lado,
gente na concorridíssima laje atrás do gol (já chamada de “setor Norte Inferior
do Alzirão”), gente no muro; todos queriam presenciar mais um passo largo do
Gonçalense rumo à elite do futebol carioca.
Logo no
começo, a estratégia do técnico Emanoel Sacramento se mostrou exitosa:
lançamento em profundidade de Dyeguinho para o lateral Radamés, que inteligentemente
olhou e cruzou rasteiro para o meio da área, de onde saiu o petardo fatal: gol
do Gonçalense, sol na cara, sorriso no rosto e esperança aflita. “Quem fez
nosso gol?”, perguntou-me um torcedor atrasado, e eu não soube dizer. Aquele
gol tinha sido de todos nós, de todos os séculos, de todas as ruas sem asfalto,
lâmpadas de postes queimadas e horas de translado proletário.
O resto do
jogo foi puro sofrimento, e a vitória se fez, finalmente, nas mãos do grande
arqueiro Júlio Cesar, que em mais um sopro cardíaco defendeu uma penalidade
diabólica já no final da segunda etapa. Daí, foi só esperar, e ver cair mais um
“pequeno-grande” time do Rio de Janeiro sob as chuteiras do Gonçalense.
Quem fez o
gol da vitória? Eu, você, Dona Maria e Seu Jaime, todos empurrando com suor
aquele chute do Beto. “PSG da roça”? Prazer, somos nós.
Gonçalense 1 x 0 América, 10/04/15