Programas como “The Voice” expõem o papel ridículo
que a Arte ocupa em nossa maldita sociedade de consumo. Submetida – à força, à
falsa, a fórceps – a uma padronização escrota, uma manadização que não perdoa
ninguém que levante os cornos acima, cria a falsa sensação de que essa gente
bronzeada e chique que atribui a si própria a alcunha de “sociedade” é
inteligente. E culta.
Povo ali canta bem? Canta, não estou falando isso. O
problema é que, além do fato de ter que se expor ao julgamento de “exponentes”
da MPB (Ironia, sempre. Deve ser uma puta dor de corno ter o seu belcanto
julgado por... Claudia Leitte? Da-ni-el?), o seu brilho encontra limites
definidos e atados: não faça diferente. O diferente não é aceito aqui. O
diferente não VENDE.
A função da Arte não é vender. Não é encher
prateleiras. Não é ser especial de Natal da Globo. O novelista polonês Witold
Gombrowicz gravou na eternidade palavras que sempre me vêm à mente quando me
encontro com essa Arte “fraquinha”: “A arte perturba os satisfeitos e satisfaz
os perturbados”. Taí, nada mais a acrescentar. Quando você começa a ditar
“padrões” baseados em RENTABILIDADE e MERCADO, você mata justamente essa Arte
da qual fala o Gombrowicz, chamada de “Alta Cultura”. Não é “Alta” por ser
melhor, mas justamente por pairar acima de convenções sociais e temporais
(principalmente). A padronização emburrece o público, dando-lhe a impressão de
uma intelectualidade e “cultura” que não possui, enchendo barriga com migalhas.
Exclui o artista que labora e poetiza sobre o que não se vende, o que não se
vê, o que não se fala – mas é imperioso que se traga à tona. O artista também
precisa sobreviver, e assim vão o músico, o escritor, o pintor, o ator e toda
essa gama de excluídos ontologicamente tentarem se encaixar (encaixar = entrar
na CAIXA – porra, etimologia é lindo demais!) nos fetiches do mercado.
Aí eu falo isso, e sou o louco de São Gonçalo, o
revoltadinho que ataca o sistema porque não foi chamado para fazer parte do
clubinho. Nem é. O peruano vencedor do Nobel de Literatura em 2010, Mario
Vargas Llosa, lançou um livro em 2013 em que fala isso. "A
arte, a literatura e o cinema se trivializaram de tal maneira, que o espectador
e o leitor vivem a ilusão de ser cultos e de estar na vanguarda de tudo com o
mínimo esforço intelectual". E olha que ele tem passe VIP pro clubinho,
hein?
Então... Nunca a cultura e o entretenimento estiveram
tão promiscuamente enredados. Mas a Arte não pode se dar apenas ao papel de
entreter, ela é muito mais importante que isso. O problema não é escutar música
ruim, é SÓ escutar música ruim. Não é que o cara vá pra balada ouvir Vivaldi,
mas se ao deitar a cabeça no travesseiro para pensar em sua própria vida ele
coloca na Mix, bom... Tem alguma coisa errada aí. O problema não é o “The
Voice” (Chacrinha Bolinha Raul Gil Silvio Santos – quantos outros já fizeram
programa de calouros?), é a sociedade tomar a grade de programação da Globo
como cânon da cultura, desprezando o que não está no “padrão” e se achando o
máximo com isso.
E leiam Vargas Llosa, qualquer coisa. Pantaleão e as
Visitadoras, Menina má, Tia Julita... O cara SABE o que diz. Inclusive, ajuda:
há um livro dele chamado “Cartas a um Jovem Escritor” que é imprescindível a
qualquer biote como eu que se pretende a rabiscar palavras e tocar corações
alheios.
Rodrigo Santos
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